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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Por que está todo mundo de olho no Lulu?

Desde que nasci participo do embate entre meninos e meninas. Na infância, discutia-se acaloradamente sobre a fortaleza do He-man e da Sherra. Lembro-me ainda dos duelos entre meninos e meninas protagonizados no Xou da Xuxa, hodiernamente reproduzidos na televisão brasileira em diversos programas como o Big Broder e o Fantástico. Surpreende-me, no entanto, a ressonância deste tipo de disputa em ambientes supostamente esclarecidos, na academia, nas grandes empresas e movimentos sociais, por exemplo, manifestando-se uma vez mais por ocasião da criação do aplicativo Lulu para avaliação moral da vida privada e intimidade masculina.



A competição sexista ignora a distinção entre a divisão sexual do trabalho, raiz das diferenças entre sexo e gênero, no plano da cultura, e a dominação social de um sexo sobre o outro, supostamente baseada em distintas capacidades de cada sexo. Sabe-se que a divisão sexual do trabalho baseou-se no prolongamento cultural da função biológica de homens e mulheres na reprodução humana. Não é difícil deduzir que não seria eficiente organizar o trabalho numa sociedade primitiva com as mulheres trabalhando na caça e os homens priorizando o trabalho doméstico. A amamentação, por exemplo, tornar-se-ia praticamente inviabilizada neste tipo de organização social primitiva.

Vulgarmente, tal divisão do trabalho tenderia à conclusão apressada acerca da constituição de uma cultura de dominação masculina. Entretanto, a organização matrilinear das sociedades indígenas nos mostra o contrário. O fato das mulheres responsabilizarem-se pela educação dos filhos, homens e mulheres, conferia-lhes autoridade e não subordinação. 



Atentando às famílias liberais e às questões levantadas por mulheres e homens pioneiros desde o romantismo, perceberemos que a autoridade sobre a família permanecia com a mulher, devido à sua função destacada na reprodução humana. Portanto, não é verdade que tais sociedades sejam marcadas pela dominação masculina, mas que havia uma divisão sexual do trabalho em que os homens eram proeminentes na vida pública e as mulheres na vida familiar.



A superação desta divisão sexual do trabalho, outrossim, é uma conquista do capitalismo. A revolução inglesa começou organizando o trabalho na indústria têxtil, realizado por mulheres. A acumulação de capital e produção de riquezas demanda cada vez mais trabalho, de homens e mulheres, tornando ineficiente a divisão sexual pré-capitalista, reforçada pela tendência à automatização do trabalho doméstico e à massificação da educação escolar infantil. 

Portanto, foram os produtos da economia de mercado que trouxeram consigo a discussão sobre a atualidade da divisão sexual do trabalho. 

E isto significa que os valores genotipicamente masculinos e femininos resultantes da divisão sexual do trabalho primitivo, não são próprios de homens e mulheres. A competitividade e o cuidado, para ficar num exemplo, não são assumidos exclusivamente por um dos sexos, tal com vulgarmente se crê. São valores que precisam ser articulados como virtudes da pessoa humana, em sua justa medida, independente do sexo desta pessoa.




Deste modo, percebe-se quão estúpida é a competição sexista manifesta hodiernamente pela disputa em torno da legitimidade do aplicativo do Lulu como reação a uma cultura "machista". Ora, se é verdade que há a coisificação do corpo da mulher, também há a coisificação do corpo do homem, para o qual não se admite o fracasso sexual e se exige uma virilidade indiferente  às suas condições físicas eventuais e ao seu interesse na pessoa com quem se relaciona.

A polêmica gerada em torno do aplicativo, deve-se não apenas por violar o artigo 5º da constituição federal e o artigo 12º da declaração universal dos direitos do homem. Também não se deve apenas pela possibilidade de suportar o Bullyng virtual, mas, principalmente, por desviar a discussão legítima sobre a inclusão igualitária da mulher na vida pública pelo reforço da conduta sexista de homens e mulheres, interessados em divertir-se através de uma competição infantil que em nada contribui para a construção de uma sociedade verdadeiramente republicana.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A estória do tribunal que prendeu o mentor do novo PT

A ação penal 470 marca a conjuntura hodierna não porque tenha sido um ato heróico de ministros do supremo comprometidos com a moralização da justiça, mas por reforçar um elemento essencial da cultura nacional, produto da nossa desigualdade, herdeira de nossa escravidão e responsável pela impunidade que supostamente se teria superado, consolidada pela máxima de Roberto DaMatta: "aos amigos tudo, aos inimigos, a lei".


Curioso notar que o contexto antecedente à denúncia do mensalão são ignorados pela maior parte dos analistas defensores da tese do "julgamento da história", segundo a qual a punição dos 40 "ladrões" marcaria um novo tempo em que ricos e pobres compartilhariam o espaço das masmorras de nossos cárceres desumanos e que isto seria resultado da iniciativa e coragem do grande herói Joaquim Barbosa.



Ora, a denúncia do "mensalão" pelo ex-deputado Roberto Jefferson após envolvimento em denúncia de corrupção de correligionários do seu partido na direção dos Correios, foi precedida pelo fortalecimento da polícia Federal durante o primeiro mandato do governo Lula, quando 5006 prisões foram realizadas em 292 operações, incluindo a Satiagraha que prendeu o banqueiro Daniel Dantas por, dentre outras coisas, evasão de divisas, desvio de verbas e espionagem de competidores e agentes públicos durante a privatização do sistema Telebrás, durante o governo FHC, para ser posteriormente anulada pelo STF, culminando no desligamento de Protógenes Queiroz, delegado responsável pela operação.

Portanto, a verdade factual é que os 11 anos de governo petista são marcados pelo combate à criminalidade, através do fortalecimento da PF, da criação da Força Nacional de Segurança e do combate ao narcotráfico, com destaque para o PRONASCI elaborado pela equipe do ex-ministro da justiça Márcio Thomaz Bastos, cujos desdobramentos são o PAC das comunidades e as UPPs. A emergência de escândalos de corrupção nos mais variados partidos não é mera coincidência e isto significa que a tese da mudança de época é inconsistente.



E isto inclui, ainda, a falsidade da premissa de que o STF é um órgão do Estado que se inclui na vanguarda do combate à corrupção, quando se trata do contrário. 

Seria possível elencar diversos criminosos protegidos pelo órgão, incluindo o juiz Nicolalau, Daniel Dantas, os mensaleiros do DEMO, os envolvidos na privataria tucana, etc. Qualquer cidadão com o mínimo de conhecimento sobre a constituição federal e a teoria da divisão dos poderes sabe que este órgão foi criado justamente para retardar o progresso social, desacelerando as mudanças sociais, ainda que recentemente esteja em curso a defesa de uma postura supostamente vanguardista, escondendo a real intenção de usá-lo para golpear a democracia, seguindo o modelo aplicado no golpe em Honduras e no Paraguai.



As punições sofridas por José Dirceu e José Genoíno, no entanto, devem ser consideradas exemplares. Primeiro porque revelam que nossa nação está longe de ter perdido seu caráter patrimonialista herdado da escravidão, onde existem os poderosos de sempre, homens desiguais, acima da lei, para os quais sempre podem contar com o apoio de seus comparsas na defesa dos seus privilégios; e existem os mártires, que, seguindo o exemplo de Tiradentes, Getúlio vargas, João Goulart, Juscelino Kubtischeck e até nosso rei D. Pedro II, deposto 1 ano após libertar os escravos, por esta "república" de faz de conta que se comemora nesta data, pagarão o preço da ousadia de desafiar estes poderosos para buscar o nosso desenvolvimento e verdadeiro progresso.

Depois, e mais importante, porque descortinam o poder da grande mídia que soube manipular as emoções das massas, condenar antecipadamente os réus e transformar o julgamento do crime de caixa dois num tribunal de exceção, vingando a elite cansada e indignada diante dos avanços conquistados pelo Partido dos Trabalhadores devido à estratégia política elaborada sob a liderança de José Dirceu, cuja importância histórica somente será lembrada daqui há cinquenta anos, intervalo de tempo que a grande mídia levou para reconhecer sua contribuição decisiva para a deposição de João Goulart e o início do período mais sombrio da nossa história.





sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A violência espasmódica dos Black Blocs

A história do homem é também a história da violência. A passagem do feudalismo para o capitalismo baseou-se na acumulação primitiva, assim como ocorrera com o desenvolvimento das religiões racionais, do Estado democrático e da própria globalização da cultura. 

No entanto, há que se diferençar a violência necessária ao progresso, daquela oriunda de um espasmo, produto das frustrações de um estamento em ascensão. Há que se buscar, ainda, o lócus e o caráter condigno desta violência, afim de que seja possível inseri-la dentro do contexto das desventuras pelo progresso humano, para além do seu culto ou refreamento passivo.



O momento histórico global é marcado, dentre outras coisas, pelo imperativo do alinhamento entre a educação e os imperativos econômicos e políticos do nosso tempo. Não por acaso, discute-se, dentro da academia, os limites do conhecimento unidimensional e dissociado dos seus imperativos práticos e estruturais, ou seja, de uma universidade e escola distantes das necessidades dos cidadãos e suas organizações produtivas. 

Certo, a estrutura produtiva contemporânea, tornando premente a conversão de capital humano em valor de mercado, demanda, necessariamente, um profissional de nível intelectual e consciência crítica mais avançada, acarretando nos incentivos ao avanço do nível de escolaridade da população e no tempo de estudo necessário à entrada na estrutura de produção.

A valorização do professor e a primazia dos investimentos na educação não podem ser dissociadas deste aspecto, mas o aumento do número de estudantes também traz consigo o aumento da inquietude entre as aspirações destes intelectuais formados no âmbito universitário e as limitações inerentes ao estágio de desenvolvimento da organização burocrática do trabalho capitalista. 



Este é o significado prático do conflito de gerações causado pela entrada da geração Y no mercado de trabalho e a causa da ressonância de organizações extremistas como os Black Blocs.

A tática de violência usada pelo grupo não se baseia na persecução de objetivos consistentes e legítimos. Tampouco se caracteriza pela apropriação do poder coercitivo do Estado. É anti-política em seu sentido mais radical, encerrando-se em agressões físicas e verbais, cujo efeito prático é a desmobilização e desmoralização da classe trabalhadora, alvo dos seus ataques, enquanto a classe rentista permanece protegida em suas mansões e ilhas particulares.



A capacidade de orientar a violência que emerge das classes oprimidas, segundo Engels, é critério-chave da capacidade dos trabalhadores de organizar sua contribuição ao progresso social. Se é verdade que o ordenamento atual do Estado democrático não é conveniente para a superação dos desafios históricos presentes, também é fato que a criminalização da política em nada contribui para o seu aperfeiçoamento, apenas para a sua degeneração em autoritarismo.



Somente quando a inquietação coletiva, manifesta na ação destes jovens ousados que circundam nossa agenda política,  passar a ser dirigida para a consecução da reforma política que fortaleça a participação organizada da população nas decisões políticas, elimine ou atenue a influência decisiva de rentistas e grandes empresas nas eleições e fortaleça os partidos "ideológicos", poderemos vislumbrar um progresso relevante para a superação da crise social em que estamos envolvidos.





quarta-feira, 3 de julho de 2013

O legado da Copa das manifestações

Acabou a copa das manifestações. Aos que insistem em associar o futebol ao lazer alienado próprio da indústria cultural, seria difícil explicar o porquê de tamanha mobilização social, no momento em que o Brasil sediava a Copa das Confederações mundiais, evento teste antecessor à realização da Copa do Mundo de seleções mundiais organizada pela FIFA.

Seria produto da visibilidade proporcionada pelo evento? Ora, ano passado o Brasil fora sede do evento Rio +20, organizado pela ONU, com a presença de movimentos sociais e chefes de Estado de todo o planeta, incluindo pesquisadores e ativistas capazes de reunir em torno de si audiência global bem mais expressiva, sem que se percebesse tamanha inquietude. Qual seria a causa do futebol, “ópio do povo”, ter reunido em torno de si a maior manifestação nacional desde as Diretas Já?



Argumentar-se-ia que seriam os tais “gastos públicos” com o futebol, supostamente contraditórios com os alocados para temas essenciais como a saúde e a educação. Entretanto, atentando-se ao evento em questão, conclui-se que se trata de produção privada, financiada pelo BNDES sob contrapartida, ou seja, repondo-se o dinheiro financiado com juros, ainda que parte dele seja inferior ao custo de oportunidade do banco de desenvolvimento, dado pela ainda exorbitante e em crescimento taxa Selic. Por que este tipo de retórica demagógica revelara-se tão sedutor quando em nada difere de qualquer soma emprestada pelo BNDES, principal banco de fomento do investimento privado do país? Por que questionar o gasto público com os juros subsidiados pelo governo para os financiamentos do BNDES e não a taxa de juros cobrada pelo BACEN ou mesmo o desinteresse dos bancos privados em financiar os investimentos privados na nossa economia?

Não se pode ignorar o fato dos meses antecedentes terem sido marcados por condenações ao evento e o linchamento moral em que se configurara o julgamento do “mensalão” do PT, culminando na condenação dos seus dirigentes por formação de quadrilha, quando a revista Veja e articulistas influentes cobraram protestos contra a “corrupção” pelas classes econômicas A e B. De todo modo, eles chegariam atrasados, motivados pelo elemento supostamente alienante. Ao contrário da novela das nove ou do Big Brother Brasil, a Copa das confederações despertara o país ao invés de encerrar seus cidadãos em polêmicas inócuas como a discussão sobre o caráter laico do Estado ou a vigilância sobre o comportamento dos atores e atrizes empregados nestas novelas.



 Outrossim, a mobilidade urbana era parte do legado esperado pela Copa, sendo assertiva sua discussão pelo Movimento Passe Livre. Há muito o transporte de massas é apontado como solução para uma convivência democrática e inclusiva nas grandes cidades. Com o tempo integral e crescentemente dedicado ao trabalho, reduzir o tempo de deslocamento para ele tornara-se esperança seja para o aumento da produtividade, seja para a melhoria da qualidade de vida e dedicação humana a outras prioridades existenciais como o estudo, o ócio criativo, a convivência humana, a organização política e a família.

O fato é que o transporte de massas tornou-se nivelador. Como apontara Carlos Lessa em artigo para a revista Carta Capital, o ônibus velho e a BMW nova tornaram-se cúmplices do engarrafamento metropolitano, piorando a qualidade de vida de todos. Trata-se de prioritário interesse social, subsumido dentro do projeto de realização da Copa do Mundo. Sua má condução, afetado pela desaceleração dos gastos públicos protagonizada pelo governo Dilma desde 2010 em defesa da austeridade fiscal, desencadeara a indignação coletiva. 


Dir-se-ia que “o gigante acordou”, trazendo consigo o questionamento da má qualidade dos serviços públicos, sobre como tornar-se referência não apenas no futebol, mas também na economia, educação e saúde. O país do futebol descobriu que ele não é apenas uma expressão cultural da nossa identidade e destinação. A seleção brasileira é um fenômeno mobilizador, posto atrair a atenção nacional. É lócus onde se expressam as frustrações nacionais, a antítese das nossas mazelas, depreendendo o que de melhor podemos produzir e realizar, para onde direcionamos nosso olhar para transcender e superar o que nos incomoda em nosso contexto.


Não vencemos apenas uma copa. Renovamos nosso projeto civilizador a partir da conquista mais relevante da nação brasileira: a hegemonia no esporte mais popular do planeta. Entramos numa nova fase da nossa história e o legado maior do evento dar-se-á pelo seu efeito propulsor para a entrada nesta nova etapa, que se espera mais inclusiva, progressista, para além dos interesses reacionários que buscam cooptar o significado das manifestações e seleção brasileira.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

O dia em que decidi abandonar as ruas

Decidi rever os velhos tempos de movimento estudantil e aceitar um convite de um amigo para participar de um aulão do professor Marcos Iasi da Escola de Serviço Social da UFRJ, viabilizando o que esperava ser uma contribuição para uma guinada à esquerda do governo Dilma.

De fato, minha leitura é que o governo Dilma perdeu oportunidades históricas para realizar grandes avanços sociais, como a ampliação dos investimentos em infraestrutura, a promoção da reforma agrária, fortalecendo a agricultura familiar; a reforma tributária; a revisão de algumas privatizações como a da Vale do Rio Doce e a reforma política. E agora encontrara-se acossado por uma agenda contracionista e conservadora, comunicada pela grande mídia, atendendo aos interesses dos poderosos e especuladores de sempre, que querem um país para 20 milhões de pessoas.





E o dia de ontem começou animador. O professor argumentou que as negociações entre os jovens e o governo devem pautar-se pela defesa do transporte público operado pelo Estado, o que, segundo ele, a livraria da “lógica do lucro”, criando e reforçando zonas econômicas supostamente livres da influência do “mercado”.

Embora discorde deste ponto de vista, pois o imperativo do lucro também permeia a prestação de serviços públicos por empresas públicas, uma vez que precisam da acumulação para suportar investimentos no desenvolvimento do serviço de maneira autônoma; é fato que o passe livre é um movimento que desafia a lógica mercadológica, pelo menos neste serviço, posto que seus investimentos basear-se-iam em dotações orçamentárias e impostos. Se isto é conveniente para a construção de uma sociedade republicana é uma discussão para outro momento. Por ora, expresse-se que a proposta merece uma reflexão séria de todo cidadão comprometido com o bem estar e o progresso social.





Após passar pela experiência empírica de andar no ônibus gratuito da UFRJ superlotado pelos participantes do movimento, descemos e caminhamos pelas ruas do centro, ovacionados, parecendo que de fato os intelectuais estavam a liderar um despertar de consciência crítica da população. Os fatos posteriores sepultariam esta ilusão.

Quando o movimento caminhava para a presidente Vargas, pela rua Uruguaiana, fomos recebidos não por louvores, mas por vaias e hostilidades. Gritos contra os partidos e o ódio manifesto, lembraram-me dos colegas reacionários que conheci nos meus tempos de trabalho em empresas privadas.

As agressões aos militantes dos partidos de esquerda, sindicalistas e demais movimentos sociais, comprovariam que esta direita “cansada” tem uma proposta política e ela não é necessariamente “apartidária”. Trata-se de um conjunto de indignados reacionários que são politicamente contra os avanços conquistados pelos governos petistas em seus 10 anos no poder.




Durante muito tempo, questionei-me sobre o porquê destes cidadãos não perceberem que a redução da desigualdade e a inclusão é uma proposta boa para eles também, melhorando a qualidade dos serviços prestados, desenvolvendo nossa economia, gerando riquezas para todos e construindo uma nação consciente, crítica e civilizada. Qual seria o porquê das dificuldades da esquerda em construir um bloco histórico com a tal “burguesia progressista”, como defendido pelo cientista político Antônio Gramsci?

Minha conclusão empírica é que esta direita indignada quer o golpe não porque acredita que a economia está ruim, ou precisamos de melhores serviços públicos. Estão preocupados em pagar menos impostos, óbvio, mas também gostam da desigualdade, mesmo que em ambiente menos desigual a renda deles crescesse mais que em situação contrária. Para eles, o que importa é a exclusividade darwinista de terem acesso a serviços que a grande maioria da população deveria estar apartada.

Não querem que todos, ou pelo menos a maioria, quiçá muitos, tenham acesso aos bens e serviços disponibilizados pelo nosso progresso técnico. Preferem ter pouco, mas sozinhos, sem dividir com ninguém. E, pior de tudo, a grande maioria se diz cristão, desde que isto implicar em condenar as seitas cristãs escolhidas pelos pobres e emergentes.

Por tudo isto, quero dizer que a melhor decisão política para todo cidadão efetivamente comprometida com o progresso social, é, neste momento mesmo, ficar em casa, num recuo estratégico, e aguardar o momento certo para reivindicar a reforma política. Ocupando o congresso, se preciso, mas sem levar consigo esta juventude anônima e cansada.



quarta-feira, 19 de junho de 2013

Por uma Copa do Mundo inteligente e saudável

Há bem pouco, seriam minoritárias as críticas à realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas. De maneira análoga ao que nos ensina os livros de história, podemos esperar que estejamos diante de um momento de crise social, em que a consciência coletiva desperta e acelera críticas até então subssumidas dentro de um contexto maior de alheamento.



Em si, a veracidade desta argumentação seria suficiente para contrapor a tese de que o futebol seria o “ópio do povo” e parte de uma política de “pão e circo”, mas constatá-lo exige que se constate ainda que o esporte é o elemento agregador da nossa cultura e lócus para a expressão da nossa identidade.

É, portanto, coerente que seja através dele que nossos anseios sociais sejam expressos. Entretanto, seu desvelamento é uma tarefa complexa demais para ser assumida nestas poucas linhas, de maneira que a opção consiste em analisar a coerência desta posição política, segundo a qual os investimentos públicos voltados para a realização destes grandes eventos, com destaque para o primeiro, estão em oposição aos gastos com educação e saúde.




Primeiramente, é preciso recordar que desde a descoberta das reservas de petróleo e gás no pré-sal fora aprovado pelo governo um plano de investimentos em educação, atingindo 7% do PIB até 2020. Demais, a própria mobilização presente é produto de pelo menos 20 anos de progresso educacional, intensificada na última década quando políticas públicas como o REUNE e o PROUNI intensificaram os investimentos na educação pública de qualidade, no subsídio aos estudos superiores em universidades privadas e no apoio à constituição de escolas de ensino básico em tempo integral.

Portanto, é falsa a contradição entre os investimentos públicos voltados para a Copa do Mundo e os voltados para a melhoria da educação brasileira. A invalidade deste argumento se reforça quando se analisa a proposta em discussão no congresso, segundo a qual trocar-se-ia os impostos devidos pelos clubes de futebol por apoio à iniciação esportiva na formação de jovens estudantes de baixa renda. Ora, o esporte é parte do desenvolvimento intelectual e pedagógico, de maneira que apoiá-lo implica também em apoiar a educação.




Raciocínio análogo aplica-se à saúde pública. Enquanto temos o maior sistema público de saúde do mundo, o SUS, países dito de primeiro mundo, não possuem saúde pública, restringindo o acesso à saúde aos que podem pagar. Nossos profissionais estão entre os melhores do planeta, enquanto países dito socialistas não podem sequer exportar seus profissionais para o nosso país, por não conseguirem ser aprovados em nossas avaliações de conhecimentos médicos. Claro que há bastante o que avançar e a promoção da atividade esportiva é um passo relevante para melhorar a saúde física, mental e social da nossa população.



Pretende-se defender nestas linhas que a Copa do Mundo e as Olimpíadas são investimentos públicos que geram riquezas e, com isso, emprego e renda; desenvolvem o esporte que é o mais importante elemento identidário nacional; e criam as condições para a melhoria da nossa infraestrutura urbana, educacional e de saúde pública.

Pretende-se distinguir, do movimento, as críticas oportunistas e mediocrizantes à realização da Copa do Mundo, à legítima e assertiva cobrança por mais e melhores investimentos públicos no transporte de massa e na exploração do legado da Copa em benefício do progresso nacional, de maneira distributiva e modernizante.

É isto que está em jogo. Não se trata de uma luta contra um evento, aquele relevante para nossa auto-estima e projeção cultural, mas numa disputa pela apropriação do seu legado. Que resulte em transporte público de qualidade. Em espaço para a complementação pedagógica e desenvolvimento do esporte de elite. Para a promoção do esporte e a redução dos nossos enfermos.




Por uma Copa do Mundo inteligente e saudável.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Da história de um estado popular

Dia histórico para a sociedade brasileira. Milhares de cidadãos reuniram-se, ocuparam as ruas e provocaram uma necessária discussão a respeito das nossas políticas públicas e desafios presentes, num ato de cidadania há muito tempo esperado. O movimento começara reivindicando a reversão do aumento das passagens e a ampliação dos investimentos públicos no transporte de massa para agora rediscutir os rumos do nosso país.





No que se refere ao ponto inicial, não se pode desvincular os protestos, da Copa das confederações, da Copa do Mundo, das Olimpíadas, da Jornada Mundial da Juventude e demais eventos internacionais  que nosso país sedia, sediará ou sediou nos tempos recentes.

Se é verdade que o futebol é a expressão maior da nossa cultura, lócus de nossa identidade e elemento agregador de intensa relevância, justificando os investimentos públicos no seu fortalecimento e desenvolvimento, é legítima a indignação e o questionamento do legado destes eventos para além do esporte.

Quando o nosso país comemorou a sua realização, esperava-se um intenso investimento em infraestrutura. Chegou-se a estimar os seus impactos econômicos, na geração de renda, riqueza e ampliação da competitividade da nossa indústria. Concretizar-se-ia o investimento público no transporte de massa há muito almejado pelo povo brasileiro.



No entanto, assim que assumiu o poder, Dilma Roussef, eleita pelo povo brasileiro na condição de "mãe do PAC" e líder indicada por Lula para sucedê-lo, transfigurou-se em Medéia, assassinando o próprio filho para se aproximar da pauta da grande imprensa, adotando medidas de austeridade para combater uma suposta inflação de demanda, caracterizadas pela contenção dos investimentos públicos, a manutenção do superavit primário e a contenção do crédito.

Para além do fato de ter representado a assunção de um problema inexistente, posto que metade da nossa população está na informalidade e nossa inflação é de custos, as medidas trouxeram consigo a emergência de uma primazia do combate à corrupção e inflação na nossa agenda política, que seriam justificáveis por tornar os gastos públicos mais eficientes, estimular os investimentos privados e a redução da taxa de juros.



O que se vê, neste momento mesmo, é o oposto. Investimento público e privado em baixa, comprometendo os avanços sociais duramente conquistados durante os oito anos de governo Lula, desperdício de dinheiro do contribuinte nas obras da Copa  e taxa de juros com viés de alta e subindo.

Eis o porquê de tamanha indignação. É preciso ocupar o país. Os movimentos sociais oportunizam que se acorde um plano de investimentos públicos no transporte coletivo para que se garanta efetivamente o nosso direito de ir e vir com dignidade: menor tempo perdido no trânsito, conforto e preços acessíveis. 

E isto implica em reverter a tendência ao incremento da austeridade, presente em discursos que se apresentam como progressistas e alinhadas com as demandas populares, mas que se revelam, antes de tudo, aderentes às próprias causas de nossa mobilização. Não precisamos de menos Estado. Precisamos de um Estado melhor.